AZGO – da “explosão” de Valete à “doçura” de Sara Tavares

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Assunto prévio: nota de dispensa para Sipho “Hotstix” Mabuse, António Marcos, Sara Tavares e Valete, afinal, as grandes vibrações da 8ª edição do Festival AZGO, que mais uma vez decorreu no Campus da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, deveram-se àqueles músicos.

Dos quatro artistas em destaque, todos de ritmos diferentes, o primeiro a subir ao palco foi o astro do RAP feito em língua portuguesa. A Khuzula, promotora do evento, reservou-lhe aquele que continua sendo o palco mais nobre do festival: Fany Mpfumo. Então, por volta das 18h de uma noite que tinha tudo para ser fria, Valete fez-se aos holofotes, electrizante, e neles interpretou parte dos seus êxitos mais afamados: “Roleta russa”, “Casa branca”, e, com Bónus, amigo de longa data, sempre presente na sua performance, fez dos espectadores seu coro com a música “Canal 115”.

Durante uma hora de actuação, o rapper português cantou temas do álbum Serviço público, e ainda interpretou temas soltos como “Jonny Walker”, que retrata os dramas por que passou quando perdeu o pai. O “Viris” levou um espectáculo diferente ao AZGO, com vídeos em tela gigante e homenagens, ao pai e aos que deram uma vida pelo movimento Hip-Hop. Valete “vergou-se” aos Black Company, Boss AC, Allen Halloween, Gabriel, o Pensador e aos moçambicanos Duas Caras e Azagaia, com quem partilhou o palco. Aí as emoções agitaram-se. Primeiro, quando Duas Caras interpretou “Kara boss” e “Vale do Rei”. Depois, quando “Azaquiris” e “Viris” formaram um dueto na música “Alternativos”, do álbum Babalaze.  A essa altura, só faltava a música que, há três anos consecutivos, sempre deixa o público do AZGO em ebulição: “Povo no poder”.

Depois de Valete, o palco Zena Bacar recebeu Elida Almeida. De pés descalços, trajada de um vestido verde a sugerir mil e um contornos que fazem da mulher africana abençoada, a cantora cabo-verdiana ecoou aos ouvidos de quem a ouvia “Lebam ku bo” ou “Bersu d’Oru”. Foi uma actuação à Elida, serena, mas com momentos de dança infalíveis.

O que veio a seguir, novamente no Fany Mpfumo, foi um show às antigas. Com luvas brancas às mãos, chapéu preto à cabeça e o resto a condizer, António Marcos provou que não era nenhum engano estar no AZGO. Longe disso, resgatando velhas glórias, unindo jovens e adultos numa linguagem universal, a música, foi incrível! Elegante como se impõe, Marcos mostrou que os anos não passam para si. O músico investiu nos seus temas mais conhecidos (casos de “Musakazi” e “Maengane”), com uma composição penetrante, sem excluir o carácter festivo traduzido pelas suas danças camaleónicas. Ainda assim, tiveram réplica do lado do auditório, sobretudo dos mais imberbes, entre sorrisos e muita improvisação.

António Marcos terminou o seu espectáculo enquanto se pedia mais uma. Não houve, que, no outro palco, Roberto Chitsondzo aguardava a vez de cantar “Kwiri”, “Timpondo”, Waxukuvala”, “Hafa” ou “Dondza”.

O show do “bom rapaz” foi ao estilo acústico. Ao palco Zena Bacar, Chitsondzo fez-se acompanhar, na guitarra, por um elemento muito especial da sua banda: Roberto Jr., seu filho.

Com efeito, como tem sido habitual, a África do Sul esteve representada no Festival AZGO. Se, nas edições anteriores estiveram Lira, Freshlyground ou Mi Casa, nesta 8ª esteve uma banda muito divertida e criativa: Bombshelter Beast. Com muita originalidade, ao longo do show, fizeram questão de adequar a performance à realidade moçambicana. Assim cantaram, contra todas as expectativas, “a minha boneca de pano é linda e é engraça. Não chora nem canta, mas ela dança para mim”. Muitos voltaram a ser jovens e outros meninos. E esse recuo no tempo não ficou por ali. No mesmo palco (na altura Gil Vicente) onde actuou, ano passado, o falecido Ray Phiri, outra lenda da música sul-africana esteve num nível alto: Sipho “Hotstix” Mabuse. Intercalando o sopro ao saxofone e o canto, o músico fez do AZGO uma celebração do melhor que África possui: a cultura, exaltada, no caso, por via da música. Os que não lhe conheciam, a certa altura, ficaram surpreendidos ao recordarem das músicas muito tocadas nas rádios nacionais nos anos 80/90. “Hotstix” mostrou ser versátil. Cantou, tocou, dançou, conversou e ainda desafiou quatro rapazes do More Jazz Big Band a acompanharem-lhe na sua actuação. Conexão. Intercâmbio. “Hotstix” preocupou-se com o significado dessas duas palavras. Por isso, também convidou Moreira Chonguiça a fazer parte da festa. E o saxofonista moçambicano, diante dos seus meninos e da sua “malta”, soprou com dedicação. Bem e bonito. E os aplausos não tardaram.

Mabuse tocou, entre vários temas, “Jive soweto”, “Shikisha” e “Burn out”.

Foi então que chegou, aparentemente, o momento mais aguardado da 8ª edição do AZGO. De um minuto para o outro, as pessoas parece que triplicaram. Os ingressos não paravam de ser vendidos até pelos informais que arriscavam represálias da polícia que fazia marcação serrada no exterior do local do espectáculo. Pareceu que tivesse sido a primeira vez da cantora em Moçambique, mas não. Já havia estado no AZGO há seis anos.

Ainda assim, a expectativa foi enorme, mesmo porque a cantora cuja pátria é a língua portuguesa e o crioulo de Cabo Verde tem músicas novas, como “Brincar de casamento”. Sara Tavares estava de regresso a Maputo e neste regresso trouxe consigo mais maturidade, sem fazer muito esforço para conquistar um público que se deixou seduzir pela doçura da sua voz e pelo carácter poético das suas composições. Sara é Sara, quiçá, por isso, canta como quem sara corações, com base em prescrições como “Bue (você é)”, “Ponto de luz”, “One love”, “Exala”, “Balancê” e, claro, “Bom feeling”, música inspirada no dedilhar de um moçambicano: André Cabaço. Inclusive, a música tem umas partes ditas em xirhonga.

Ao fim de uma hora, Sara Tavares esgotou o seu tempo de actuação. Mas não se foi embora antes de cantar com Milton Gulli e Valete. De facto, este foi dos AZGO com mais colaboração musical, em palco, entre os músicos estrangeiros e os moçambicanos. Por isso, disse Orlando Quilambo, Reitor da UEM, que esta é uma boa oportunidade para os estudantes da universidade que dirige (local que acolhe o festival) sobretudo da Escola de Comunicação e Artes, aprenderem a estar ao nível dos melhores.

Nesta edição do AZGo actuaram ainda Banda Kakana, Kapa Dech, Timbila Muzimba e a brasileira Flávia Coelho.


Fonte: O País

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