TEM sido recorrente ouvir-se que não é
possível viver de artes em Moçambique. Este tipo de queixas vem de todos
os lados, com maior persistência para a classe dos músicos.
Mas, o jovem percussionista Samito Tembe
vai em contra-mão e se afirma na música, donde diz tirar todos os
proventos para si e sua família.
É um dos instrumentistas mais solicitados
para acompanhar bandas e artistas a solo. A sua vida é um tremendo
“corre-corre”, fazendo ensaios aqui e acolá durante toda a semana. Ele
sai cedo de casa e vai ao estúdio para iniciar os ensaios cerca de 10:00
horas. Às 18 horas, larga a música e vai à escola. Mas, vezes há em que
é obrigado a prolongar os ensaios até 21 ou 22 horas. E quando chega o
fim-de-semana, a sua rotina não altera, chegando mesmo a aumentar a
“corrida” por causa dos compromissos. Nalguns dias, acontece ter que
terminar um concerto na baixa da cidade de Maputo e pegar estrada até
Matola, onde tem uma outra apresentação. Muitas vezes essas “viagens”
são feitas para acompanhar outros músicos e intérpretes.
“Tenho de correr. Trabalhar duro, porque é desta arte que sai o meu pão”, diz Samito Tembe.
Cresceu no periférico bairro da
Maxaquene, arredores da cidade de Maputo, e cedo percebeu que para
melhorar a sua condição de vida, só o trabalho era o gancho. E fez dos
tambores a gazua para atingir o cimo.
Cedo a arte começou a manifestar-se em
si. Conta que ainda pequeno, a mãe levava-o à igreja, tendo sido lá que
aprendeu a cantar. Essa era a sua maior diversão. No seu bairro, as
amizades foram sendo tecidas com gente envolvida nas artes,
particularmente a dança, o teatro e a música.
Teve uma fugaz passagem pelo grupo de
teatro Mahamba, onde quis ser bailarino. Foi nesse grupo, narra, que
conheceu os primeiros detalhes da dança tradicional.
Abdicando de outras diversões, dedicou a
sua adolescência a aprender música. E ainda nos finais da década 1990,
depois de assistir a um concerto de Deodato Sikir – actualmente a
residir na Suécia – decidiu que queria viver de música.
“Açúcar Castanho” como elixir
Aos 36 anos, Samito Tembe, que é pai de um rapaz, fundou e é líder da banda “Açúcar Castanho”, fundada em 2014.
“Açúcar Castanho”, um produto simbólico e
parte da narrativa quotidiana de quase todas as famílias moçambicanas, é
uma metáfora para designar o seu projecto. Não somente, porque esta
banda toca bem e ritmos doces como também por querer fazer parte da vida
dos moçambicanos e não só.
À designação “Açúcar Castanho”, o líder
acrescentou o termo “Experiment”, por se tratar, segundo esclareceu, de
uma iniciativa experimental.
“Quero trabalhar a música antes de levar
ao estúdio e esse trajecto será feito mediante a experiência que iremos
adquirir ao longo das performances que iremos fazer”, explica.
De lá a esta parte, o projecto foi
fazendo vários concertos nos hotéis e restaurantes da cidade de Maputo,
assim como em palcos emblemáticos da capital, como o Café Bar Gil
Vicente, Núcleo de Arte, por exemplo, tendo integrado o Festival Azgo de
2015.
Neste percurso, a banda foi integrada por
vários instrumentistas. Pode-se citar alguns como Sérgio Mudjidji
(Viola Baixo), Timóteo Cuche (Saxofone) e Terêncio Tovela (Guitarra
Soul), entre tantos outros. Embora houvesse alterações, a estrutura
sempre se manteve intacta, sendo em alguns momentos a secção de sopro
alimentada por trompete, ao invés do saxofone.
“Açúcar Castanho Experiment” explora
ritmos alternativos, pela regular composição ser constituída por músicos
vindo do jazz, a tendência é sempre essa. Entretanto, esse é um rótulo
que o líder da banda recusa. “Eu faço música, não faço jazz”, disse
Samito Tembe.
Com Chitsondzo e Kakana
Recentemente, acompanhou o lançamento dos
discos de Roberto Chitsondzo (Kwiri) e da Banda Kakana (Juntos). “Foi
uma honra e sinal de crescimento ter trabalhado com Roberto Chitsondzo,
que é um músico que nos ensina e é um exemplo que quero seguir”,
comentou.
A colaboração com o vocalista principal
da Banda Ghorwane, embora já trabalhe com artistas desse gabarito há
vários anos, segundo diz, foi uma grande lição. Congratula, para além
das composições – pedagógicas – a qualidade de som e a ousadia de casar o
disco com um livro.
“A Banda Kakana está a fazer música, boa
música”, congratulou, depois de, igualmente, ter participado da gravação
do primeiro álbum (Serenata), mesmo porque era integrante do grupo
desde altura em que se chamava Banda Azul.
Da partilha de estúdio com uma das bandas
que hoje está colocada no mainstream da música nacional e,
gradualmente, a conquistar outras paragens, alimentou a sua bagagem de
lições já adquiridas nos vários palcos, por onde passou, acompanhando
outros músicos.
Na banda, é mais baterista do que
percussionista – que foi com este instrumento que construiu o seu nome –
e faz a voz, igualmente. Samito graceja, “eu é que faço a voz, bem ou
mal, porque para mim a música é como se fosse um quadro, uma pintura,
uma escultura. O artista faz como quer e depois quem vai dizer que não
está bem?”.
Publicado no Jornal Notícias, na edição de 08/01/18
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